segunda-feira, maio 24, 2010

E qual não é a minha surpresa quando ontem entrei na Zara e descobri que têm uma colecção especialmente dedicada à Lady Gaga? Normalmente eles criam essas coisas porque vendem - e é precisamente essa ideia que para mim é terrivelmente assustadora. Caminhamos para um processo criativo a todos os níveis que pretende acima de tudo vender, e não superar-se sucessivamente, criando um mercado de escolha que sim, é mais abrangente pois agrada à maioria, mas restringe e sufoca os demais. E depois ouvem-se comentários na televisão do género "Isto assim não anda para a frente".
Isto é um bocado como a história dos livros. Habitualmente uma das coisas que mais se ouve é "Hoje em dia qualquer um é escritor". A verdade é que não é bem assim: hoje em dia, quem tenha nome é escritor se quiser. E por vezes, tantos incógnitos que por aí andam cheios de talento e enviam manuscritos para as editoras e são recusados, porque aparentemente não são aquilo que eles pretendem. Obrigado... As editoras querem mil e uma Margaridas Rebelo Pinto, que escrevem sempre a mesma coisa e sempre sobre o mesmo. E que efectivamente vendem muito porque são uma leitura acessível, num mundo onde cada vez menos pessoas gostam de ler, como tal agarram-se ao mais fácil. Não me entendam mal, há casos e casos. Há muitos nomes que andam no top de vendas de mercado e que realmente o merecem. Mas depois temos casos como este, que escrevem livros para se ler uma vez e meter na prateleira. E não me digam que tem passagens bonitas, porque não é isso que faz dos livros dela livros com qualidade.
Veja-se por exemplo os filmes. Cerca de 90% dos filmes que eu vi e que considerei de superior qualidade nunca passaram nos cinemas. São filmes independentes, com baixos orçamentos, e desconhecidos pela maioria das pessoas. E só isso ainda lhes dá mais valor em comparação com os tantos filmes que se vêm nas salas de cinema actualmente. Nos quais investiram milhões, e que por esse motivo tinham a obrigação de cumprir a sua missão com muito sucesso. Obrigação essa não cumprida.
E o mesmo se passa com a arte. Este fim-de-semana revoltei-me ao jantar ao ouvir a tão conhecida frase "Aquela meia dúzia de rabiscos também eu fazia". Se calhar não era bem assim. Quando uma pessoa atravessa o processo criativo que implica a concretização dessa mesma meia dúzia de riscos compreende que até se chegar ao trabalho final é preciso talvez muito mais trabalho do que quando fazemos uma representação à vista. Porque a mimesis no fundo só requer habilidade; é olhar para o que está lá e repetir. Quando o trabalho é muito mais complexo do que a mera realidade, é consequentemente mais difícil de o representar. Sim, é verdade que hoje em dia é banalíssimo pintar-se, e já vi muito borrão à venda por preços exorbitantes com os quais eu não concordo. Mas isso só demonstra como as pessoas não compreendem o significado da arte e todo o processo que se encontra por detrás dela. Porque se formos bem a ver, também só cai no erro de pagar um balúrdio por um trabalho que não tem ponta por onde se-lhe pegue quem não tem noção do que é arte. É um bocado como quando vamos a exposições e deparamo-nos com pessoas extasiadas a olhar para um quadro. Existem sempre dois tipos de pessoa que têm essa reacção: ou compreendem realmente o valor que se encontra naquela obra, ou como não compreendem pretendem dar a entender o oposto. E eu não tenho dúvidas nenhumas, que a grande maioria das pessoas que tem este tipo de postura não percebe rigorosamente nada a respeito do assunto. Como se costuma dizer: quando não se sabe mais vale estar-se calado para não se fazerem figuras tristes.
E são estas situações que fazem com que cada vez se menosprezem mais as artes. São essas muitas pessoas com nome mas muita falta de jeito que fazem com que as pessoas desvalorizem obras de arte, livros, filmes e outros que tais.

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